Como as Testemunhas de Jeová tratam seus ex membros

2 de jan. de 2010


Por Abenildo Galindo Florêncio,
ex testemunha de Jeová

“Abenildo! Você não sabe que eu não POSSO falar com você?”

Essas palavras martelavam a minha cabeça enquanto eu dirigia meu carro para o supermercado. Depois de ter tido a má ideia de dar meus pêsames a uma antiga amiga, que tinha perdido o pai. Mas esperem aí! Não era o caso de que a Margarida não quisesse falar comigo, como se ela tivesse uma inimizade pessoal comigo. Não, ela não “podia”. Não tinha nenhum problema físico, ela não é muda, ou surda. O que a proíbe de ter qualquer contato comigo, até mesmo um cumprimento, é a doutrina da desassociação das Testemunhas de Jeová.


Na foto acima, Abenildo Galindo Flrorêncio


Para que entendam, vou esclarecer do que se trata essa doutrina, contando um pouco da minha história dentro dessa “religião”.

Nasci numa família que tinha ligações estreitas com a seita. Minha mãe era testemunha antes de meu nascimento. Minha irmã mais velha, tinha se batizado aos treze anos. Meu pai simpatizava, mas não era frequentador. Eu vim a ter esse envolvimento quando era adolescente, batizando-me aos dezesseis. Lembro que meu pai tinha me aconselhado a ter cuidado, pois, caso eu fosse desassociado, iria perder muito. Sábios conselhos do meu velho... Mas como a maioria dos adolescentes, não dei ouvidos e segui em frente. Entrei na seita. Entrei com tudo.

Um dos dogmas mais controversos é que o resto do mundo pertence a Satanás e logo não merece a amizade dos “verdadeiros adoradores”. Assim, tratei de me desfazer das antigas amizades em nome de Deus. Meu mundo assim se tornava circunscrito a esse círculo social. Amigos, só entre as Testemunhas de Jeová.

Eu era dedicado. Logo me tornei “Pioneiro Regular”, uma espécie de missionário que se compromete a pregar diariamente, ao menos três horas, perfazendo noventa horas no mês, o que resulta mil horas por ano, com um mês de “férias”. Isso tudo era um trabalho voluntário, não remunerado. Eu trabalhava para “Jeová”, pregando a sua palavra tal como Jesus fazia. Ledo engano... Não passava de um jovem manipulado por uma gráfica multinacional travestida de religião. Meu zelo ao divino foi assim explorado por anos a fio.

Embora tivesse angariado o respeito e a amizade de muitos, também despertava a inveja, e esta a perseguição. Não demorou muito para que os anciãos (como são conhecidos os pastores da seita), colocassem seus “cabrestos” em mim. Vários foram os motivos e várias as formas. Uma vez era a inveja do irmão que tinha casado com a filha do ancião e vivia armando contra mim. Outra o ex-namorado de uma menina que eu paquerava, enfim, meu zelo e dedicação não adiantavam muito. Mudei de congregação. Retomei meu trabalho. Tudo corria bem, quando um dia, decidi entrar na faculdade.

O ensino superior é fortemente desincentivado no meio. Afinal, pra quê estudar tanto para trabalhar num mundo que poderia acabar amanhã no Armagedom, quando Deus destruirá a tudo e a todos que não eram testemunhas? Especialmente na área de saúde! Seria inútil esse conhecimento no paraíso, que se seguiria ao Armagedom, onde todos teriam saúde perfeita, garantida por Deus! Se expuser ao mundo iníquo, às más associações de mundanos!

Foi a melhor coisa que eu fiz! O ensino superior obriga o pensar, o questionamento, o embasamento científico. Passei a questionar o que eu mesmo pregava. Desta forma, os dogmas foram caindo um por um, até que um dia percebi que a única crença que eu tinha em comum com as Testemunhas de Jeová, era que Deus existia. Nada mais.

Assim fui me distanciando da seita. Depois que minha mãe morreu, já nem pensava nisso.

Até que numa tarde, no meu consultório, recebo a visita de um ancião. O pai da Margarida. Ficou nervoso e inquieto por ter de esperar sua “consulta”. Como principiava a fazer tumulto na sala de espera, fui ter com ele.

A sua intenção era que eu pedisse dissociação. No que eu respondi que não seria bode expiatório de ninguém e não iria me sujeitar a nenhum tribunal eclesiástico, Deus é meu juiz. Resultado: fui desassociado à revelia.

O que é dasassociação? Vejam o que a Torre de Vigia orienta seus seguidores...

Como tratar uma pessoa desassociada?Poucas coisas podem nos deixar tão tristes quanto ver um parente ou um amigo achegado ser expulso da congregação por ter cometido um pecado e não ter se arrependido. O modo como encaramos a orientação da Bíblia sobre esse assunto pode revelar a profundidade de nosso amor a Deus e quanto somos leais aos seus princípios. Considere algumas perguntas que surgem sobre esse assunto.


Como devemos tratar uma pessoa desassociada? A Bíblia diz: “Cesseis de ter convivência com qualquer que se chame irmão, que for fornicador, ou ganancioso, ou idólatra, ou injuriador, ou beberrão, ou extorçor, nem sequer comendo com tal homem.” (1 Coríntios 5:11) Com respeito a qualquer pessoa que “não permanece no ensino do Cristo”, lemos: “Nunca o recebais nos vossos lares, nem o cumprimenteis. Pois, quem o cumprimenta é partícipe das suas obras iníquas.” (2 João 9-11) Nós não nos associamos com desassociados, quer para atividades espirituais, quer sociais. A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, página 21, disse: “Um simples ‘Oi’ dito a alguém pode ser o primeiro passo para uma conversa ou mesmo para amizade. Queremos dar este primeiro passo com alguém desassociado?

É realmente necessário evitar todo e qualquer contato com a pessoa? Sim, por várias razões. Primeiro, é uma questão de lealdade a Deus e à sua Palavra. Obedecemos a Jeová não apenas quando é conveniente, mas também quando envolve grandes desafios. O amor a Deus nos motiva a obedecer todos os seus mandamentos, reconhecendo que ele é justo e amoroso, e que suas leis visam o bem dos que o servem. (Isaías 48:17; 1 João 5:3) Segundo, cortar o contato com o pecador não-arrependido evita que nós e a congregação sejamos corrompidos em sentido espiritual e moral, e preserva a boa reputação da congregação. (1 Coríntios 5:6, 7) Terceiro, nossa firme posição a favor dos princípios bíblicos pode até mesmo beneficiar o desassociado. Por apoiarmos a decisão da comissão judicativa, talvez contribuamos para tocar o coração de um pecador que até então não correspondeu aos esforços dos anciãos para ajudá-lo. Perder a preciosa associação com pessoas amadas talvez o ajude a ‘cair em si’, a ver a seriedade de seu erro e a tomar os passos necessários para retornar a Jeová. — Lucas 15:17.

E quando o desassociado é um parente? Nesse caso, os laços achegados entre familiares podem ser um verdadeiro teste à lealdade. Como devemos tratar um parente desassociado? Não podemos incluir aqui toda e qualquer situação que possa surgir nesse sentido, mas vamos nos concentrar em duas situações básicas. Em alguns casos, o parente desassociado talvez faça parte da família imediata e ainda more na mesma casa. A dasassociação não põe fim aos laços familiares, por isso as atividades e os tratos normais do dia-a-dia da família podem continuar. Contudo, pelo seu proceder, o desassociado escolheu romper o vínculo espiritual que tinha com a família. Sendo assim, os membros leais da família não podem mais ter associação espiritual com ele. Por exemplo, caso o desassociado esteja presente quando a família se reunir para estudar a Bíblia, ele não deve participar do estudo. Mas, se o desassociado é um filho menor, os pais ainda são os responsáveis pela sua instrução e disciplina. Por isso eles, como pais amorosos, podem dirigir um estudo bíblico com o filho. — Provérbios 6:20-22; 29:17.


Em outros casos, o parente desassociado talvez não faça parte da família imediata ou seja um membro da família imediata que não mora na mesma casa. Embora em raras ocasiões talvez se precise cuidar de um assunto familiar com um parente desassociado, tal contato deve restringir-se ao mínimo possível. Membros leais de uma família cristã não procuram desculpas para ter tratos com um parente desassociado que não more na mesma casa. Em vez disso, a lealdade a Jeová e à sua organização os faz seguir os princípios bíblicos relacionados com a dasassociação. Seu proceder leal visa o bem do desassociado e pode ajudá-lo a se beneficiar da disciplina recebida. — Hebreus 12:11.”

Desta forma, o desassociado perde todos os vínculos que ele formou dentro da seita. Não só os de amizade, mas também vínculos familiares. Não importa se for um menor. Não importa que fira o Estatuto da Criança e do Adolescente, não importa os Direitos Humanos, não importa nem o que Cristo disse, que devemos amar até nossos inimigos. (Mateus 5:44.) Não é por amor que se espera que um desassociado volte, mas por pressão, humilhação e constrangimento. Sim, na bíblia das Testemunhas de Jeová também se encontra a história do “Filho Pródigo”, só que é sistematicamente ignorada. Aliás, muito do que o Cristo disse é ignorado.

Não, não me arrependo de ter seguido a Margarida e ter prestado minhas condolências, essa é uma atitude cristã. Mesmo sabendo que iria ser ignorado. A culpa não é dela, e sim da loucura de homens megalomaníacos que se colocam no trono do Nosso Senhor e passam a julgar e condenar eu Seu lugar.

-“Um dia, Margarida, essa discriminação acaba.” Foi minha despedida.

Atitudes concretas para isso já estão sendo tomadas. Sebastião Ramos denunciou esse abuso no Ministério Público que acatou a denúncia. Você pode conferir tudo nesse link: http://extestemunhasdejeova.net/forum/viewtopic.php?f=16&t=3910

Somos um grupo de ex testemunhas que unidos lutamos contra essa segregação, além de analisar os erros doutrinais absurdos da seita.

Que o amor de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo supere as injustiças cometidas em Seu Nome! Que irmãos possam se abraçar sem medo. Que a paz de Deus, que excede todo pensamento, esteja entre nós. (Filipenses 4:7).


Revisão de texto: Maria Suely Rodrigues


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